Miguel
tinha, naquela época, tinha 4 anos de idade, enquanto eu 6. Depois de chegar da
escola, eu sempre me divertia falando com ele.
- Ei tata,
um dia vou ser um super-herói e vou salvar o mundo!
Então, eu
sorria e respondia pra ele:
- Claro!
Esta é uma
das conversas que eu queria ter tido mais vezes com ele.
Todos os
dias nós pegávamos um ônibus para ir à escola. Miguel ia para uma escolinha de
maternal, enquanto eu ia para o pré. Na volta, nós dois pegávamos novamente o
mesmo ônibus para voltar para casa. A partir do ponto onde descíamos, íamos
para casa a pé. Afinal, não ficava muito longe dali. A cidade era pequena.
Uma vez,
depois de voltarmos para casa, eu e Miguel ficamos na sala brincando com
nossos bonecos. Ele ficou com fome e foi para a cozinha. Lá ele ficou por um
tempo, por isso fui ver o motivo da demora. Surtei quando cheguei lá e vi meu
irmão com um bolinho na boca.
-MIGUEL!!!! Não acredito!! Você
comeu o meu bolinho?!?! Você já tinha comido o seu! O meu estava aqui! –
apontando para a mesa ao lado do fogão.
Eu corri, subi as escadas e fui
falar para a minha mãe.
-Mãe! O Miguel comeu o meu
bolinho e o dele!! – dizia, toda irritada e manhosa.
Ela estava se arrumando para o
trabalho.
- Não tem problema, na volta do
trabalho eu compro um pra você.
- Mas você tem que dar uma bronca
no Miguel! – disse, fazendo um biquinho.
- Agora já não dá mais tempo,
estou em cima da hora. Vou dar um aviso pra ele. - Ela desceu as escadas e eu a
segui. Então, ela foi para perto da cozinha e gritou de lá:
- Miguel! Não coma o bolinho da
sua irmã! – e saiu para o trabalho.
Miguel ouviu e continuou agindo
normalmente.
Quem cuidava de nós era nossa
avó, que na maioria do tempo ficava assistindo TV e fazendo bordados. Depois da
confusão, nós ficamos com ela na sala, em cima de um tapete, brincando com
nossos bonecos.
Ele pegou seu boneco preferido,
que era de um personagem famoso na época de super-heróis.
- Quando eu
crescer vou ser um super-herói que salva todo mundo. – dizia, enquanto
balançava seu boneco no ar.
- Ai,
Miguel, sinto muito por dizer isso... mas heróis não existem. – disse, de um
jeito meio egoísta. Ainda estava meio brava por causa do bolinho.
- Existem
sim! – e ficava mexendo no boneco.
- Existem
não.
Então eu
olhei para a TV e fiquei vendo a novela com a vovó. Em seguida, apareceu uma
cena onde uma mulher agradecia loucamente um médico por ter curado seu filho de
alguma doença grave.
- Muito
obrigada, doutor! – ela dizia, com lágrimas nos olhos e apertando a mão dele.
- Não foi
nada. É apenas o meu dever. – ele respondia, com segurança e apertando a mão da
mulher.
- Mas mesmo
assim, doutor. Você salvou o meu filho! Você é como um herói para mim!
“Você é
como um herói pra mim”....
Fiquei pensando nessa frase.
Então eu virei para Miguel e falei:
- Ei, Miguel. Dá pra você ser
médico. Você vai poder salvar pessoas.
- Então vou ser médico.
Ele disse isso e continuou
brincando, como se não fosse nada. Ainda tinha 4 anos, não sabia de nada do
mundo ainda. Mesmo assim, a frase e o modo que ele disse ficam na minha mente
até hoje.
Depois de algum tempo,
descobrimos que Miguel tinha uma doença rara. Como ele ainda era muito novo,
todo tratamento que fizéssemos seria arriscado. Mas mesmo assim, fizemos o
tratamento. Um dia, fui visitá-lo no hospital junto com meus pais. Entrei em
seu quarto e o vi deitado na cama, com um fio de soro ligado em seu braço.
- Oi Miguel! Trouxemos flores
para você! – disse minha mãe, colocando em um vaso do lado da cama.
- Brigada, mãe.
- E...olha! Eu comprei aqueles
bolinhos que você tanto gosta! Dessa vez eu trouxe 2 para você! – falava meu
pai, dando os bolinhos para ele.
Depois disso, meus pais saíram do
quarto para conversar com o doutor. Ficamos então só eu e ele. Sentei-me em uma
cadeira ao lado da cama.
Ele pegou os dois bolinhos e
colocou-os em seu colo, todo contente. Coloquei meus braços atrás de minhas
costas e sorri. Para minha surpresa, ele parou, pegou um bolinho e ofereceu
para mim.
- Não, não. Não precisa. – disse,
abanando minhas mãos. – Esses bolinhos são para você.
Matheus simplesmente ignorou.
Pegou um deles e colocou no meu colo. Então, abriu o dele e começou a comer,
como se nada tivesse acontecido.
- Seu bobo. – disse, quase
chorando.
Depois de alguns dias, a situação
dele piorou drasticamente. Meus pais não me contavam os detalhes por talvez ser
muito nova para entender ainda. Mesmo assim, eu continuava fazendo companhia de
vez em quando para ele.
- Ei... você uma vez disse que
queria ser um super-herói, certo?
- Eu quero.
- Então...naquela época eu menti
quando disse que eles não existem. Eles existem sim, viu! – disse isso para ele
se sentir melhor.
- Não... eu vou ser médico.
- Mas...você não queria ser um
super-herói?
- Vou ser médico.
O tempo passou. Passou tão rápido
que em um piscar de olhos aquele dia chegou.
- Infelizmente, nós não temos
mais nada a fazer. – dizia o médico.
Todos da família ficaram
extremamente abalados com esse fato. Todos nós nos abraçamos e começamos a
chorar desenfreadamente.
Chegando em casa, peguei o boneco
dele e lembrava da frase que uma vez ele me disse. “Vou ser médico!”. Apertei
aquele bonequinho e comecei a chorar novamente. Depois de alguns instantes
deitada no tapete da sala, tomei uma decisão.
“Não se preocupe, Miguel. Eu
realizarei seu sonho”.
Decidi me dedicar mais aos
estudos. Mudei de escola, e foi nessa hora que eu conheci companheiros muito
importantes da minha infância.
Logo, meus amigos favoritos tornaram-se
Sofia, Samuel, Damian, Júlio e Lívia. Os dois últimos, principalmente. Depois
da saída de Lívia, nosso grupinho diminuiu e eu comecei a sair mais com Júlio.
Entretanto, depois de conversar um pouco com Samuel, passei a admirá-lo.
Samu era meu vizinho. Muitas
vezes eu ouvia ele tocando e cantando algumas músicas. Então eu batia na janela
dele e dizia:
- Que música bonita.
- Obrigado.
Então eu ficava de cotovelos na
janela ouvindo, às vezes até com os olhos fechados.
- Pronto, terminei.
- Ah, toca mais!
- Não, agora já cansei.
- Mas você toca violão e canta
muito bem, sabia?
- Obrigado, quando crescer vou me
tornar músico.
- Oh! Verdade?
- Sim.
- E eu vou ser médica, sabia?
- Legal.
Sua indiferença com relação às
coisas lembrava-me meu irmão.
Depois, eu ia conversar um pouco
com Júlio.
- E aí? O que você pretende fazer
de faculdade?
- Então...meus pais estão falando
pra mim fazer faculdade de engenharia, já que me dou bem na área de exatas.
- Hum...entendo.
Nessa hora, resolvi me abrir para
ele.
- Eu acho que vou tentar
medicina.
Tanto que não muito depois disso,
mudei para uma escola melhor e estudei muito. Fiz amizade com uma garota
chamada Lucy.
- Ei Lucy, sabia que tem uma
música da banda Skillet com o seu nome? – disse, mexendo no meu notebook. Eu
estava na casa dela.
- Uau! Verdade?!
- Sim. E eu soube que a música foi
feita em homenagem a um casal que abortou a filha que ainda estava na barriga.
Depois, eles se arrependeram. É dessa melancolia que a música se trata.
- Oh...
- Aqui. Eu tenho o vídeo
carregado. – e mostrei. (clique aqui para ver)
- Ah...muito lindo!! – dizia ela,
quase chorando.
- Sim. Eu adoro essa banda! –
dizia enquanto ouvia mais uma vez.
- Ah! Me empresta uma caneta pra
anotar o nome da banda.
- Ok.
Peguei minha bolsa, abri e tirei
dela um estojo. Coloquei-o em cima da mesa, enfeitado com vários chaveiros.
- Nossa! Quantos chaveiros você
coloca no estojo! – disse Lucy, mexendo neles. Então, ela pegou um certo
chaveiro em forma de flor. – que bonito! Eu gostei desse.
- Esse aí... – falei, tentando me
lembrar onde tinha conseguido. – Ah. – disse quando lembrei. – ganhei em minha
antiga cidade de alguns amigos.
- Hum.... – resmungou ela, ainda
mexendo nele.
Neste momento, eu fiquei
nostálgica e comecei a relembrar sobre o tempo que passei com o pessoal. Porém,
eu estava seguindo um sonho. Então eu dentei na cama dela e comecei a olhar
para o teto.
- O resultado do vestibular está
chegando, né? – disse, com as mãos em cima da barriga. Lucy veio e deitou ao
meu lado.
- Sim, é verdade. – uma pausa. –
Vamos torcer para passarmos juntas.
- Sim. – E demos as mãos.
Chegando em casa, decidi fazer
uma faxina no meu quarto. Arrumando a mesa, percebi que fazia muito tempo que
não carregava o celular! Imediatamente, coloquei na tomada para carregar.
Depois que o celular ligou, percebi que havia uma mensagem não lida no
histórico, de muito tempo.
“Passei em engenharia civil!”
Ai meu deus! Fazia muito tempo
mesmo que essa mensagem havia sendo enviada e eu ainda não tinha respondido!
Imediatamente comecei a escrever.
“Parabén...” quando terminei a palavra, derrubei o celular no chão, que
infelizmente havia mandado a mensagem sem eu ter terminado de escrever. Ah...
Comecei a escrever de novo, mas percebi que estava sem crédito dessa vez. “Ah!
Desisto!”
Os resultados saíram. Para a
minha alegria, eu passei! Porém, não havia acontecido o mesmo para Lucy.
Em nossa despedida, nós nos
abraçamos. Ela chorava pela nossa separação.
- Ano que vem, com certeza
passarei!
- Pode deixar. Vou guardar um
espacinho no pequeno apartamento que aluguei para morar. – dizia, limpando suas
lágrimas. Ela deu uma risadinha e disse:
- Se é tão pequeno, então vou
pegar outro pra mim do seu lado.
- Hum...infelizmente eu fiquei
sabendo que todos do prédio já haviam sido alugados.
- Ah...bom...fazer o quê, né?
Quando chegar a hora a gente decide.
Demos uma despedida final e então
comecei a viagem.
E dentro de minha bagagem eu
ainda levo aquele chaveiro de crisântemo.
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