A pressão
em cima de nossa classe em relação a notas, vestibular começava a pesar em cima
de nós. O professor dizia bastante sobre dedicação, muito estudo, sucesso...
porém todos nós estávamos ainda tristes com a partida de Lívia.
- Tem um
espaço vazio na sala agora. – dizia Sofia.
- Sim... –
respondeu Damian.
- E o que
faremos agora? – perguntei.
- Como
assim o que faremos? Viveremos a vida normalmente, é claro. – dizia Thayse, com
os braços cruzados e com um ar de desânimo.
Depois de
algum tempo resolvemos brincar mais uma vez de esconde-esconde, um costume que
já realizávamos há anos. Porém, a brincadeira começava a perder a graça. Talvez
porque estivéssemos um pouco velhos demais para isso. Todos nós nos sentamos na
calçada, com os pés na rua. Já estava noite. Começamos a conversar, sobre
assuntos variados. Porém a conversa que Sofia tinha com Samuel diferia da minha
com Thayse, ou Samuel com Damian, etc. Logo nossas conversas começaram a
divergir, e nosso grupo foi se dividindo aos poucos.
Uma vez
fomos a uma pizzaria. Depois de comer e pagar a conta, o normal seria nos
divertirmos um pouco. Porém, logo Samuel e Damian levantaram-se, dizendo que
tinham de assistir a um programa “muito importante”. Sofia começava fazer desenhos
nos guardanapos utilizando shoyuu. Escrevia seu nome.
- É um nome
muito bonito o seu. – disse Thayse.
- Você
acha? – perguntou ela.
- Sim.
Significa “sabedoria”, você sabia?
Então ela
fez um rosto de quem havia descoberto o mundo.
-
Ooh...verdade??! – perguntava ela.
Thayse riu
um pouco e respondeu:
-Sim, é
verdade! – e nós ríamos.
Então, nós
começamos a época de provas. Um dia, depois da prova de biologia, eu e Thayse
nos sentamos nas escadarias de uma parte da escola. Depois de conferirmos as
respostas da prova um com o outro, olhei para a grama e perguntei:
- Grama é
briófita?
- Não. –
ela respondeu, com extrema negação. - Briófitas são os liquens. Aqueles
negocinhos verdes que aparecem quando chove bastante.
- Tem
certeza? – lembrando-me da figura que eu vira na apostila, comparando-a com a
estrutura da grama.
- Sim,
certeza.
-
Mas...aquela parte de cima da grama não parece aquele da figura que estava na
apostila??
- É,
mas...não! Eu tenho certeza que não é! – dessa vez fazia uma cara de confusão.
Então, fez um gesto de negação com o rosto, dizendo – quer apostar?
- Sim, eu
aceito a aposta.
- Então ta.
- E o que
vamos apostar?
- Que
tal...um sorvete?
- Aposta
feita. – dando um aperto de mão.
E, para a
minha tristeza total, infelizmente, a grama não era briófita.
- Há....eu
disse! Está me devendo um sorvete! – e fazia uma cara de “Viu? Eu sabia!”. Então
eu olhava de volta com uma cara de “Há...se acha! Da próxima vez eu ganho,
viu?”. Como prometido, no dia seguinte comprei um para ela. Depois disso,
resolvemos sair para dar uma volta pelo bairro.
- Você
sabia? Samuel disse que quer se tornar músico. – ela disse.
- Verdade?
– foi uma surpresa, porém pensei depois que isso combinaria com ele. Sua voz
era muito bonita, e tinha talento para tal. Também até compôs algumas músicas
naquela época. – legal. – Entretanto, essa era uma carreira complicada. Claro.
- Sim,
muito legal. – ela sorria com muita admiração. - E aí? O que você pretende
fazer de faculdade? – perguntou ela. Eu fiz uma pausa, pensei, e depois
respondi:
-
Então...meus pais estão falando para fazer uma faculdade de engenharia, já que
me dou bem na área de exatas.
-
Hum...entendo. – dizia, enquanto esticava seus braços, fazendo uma espécie de
alongamento. Respirou fundo e continuou a falar. – acho que vou tentar
medicina.
Fiquei
impressionado. Tudo bem que ela sempre foi muito estudiosa e dedicada, mas esse
curso é bem concorrido dependendo do local.
-Uau...você
vai ter que se dedicar bastante. – disse a ela, que ficou sem reação por uns
instantes. Então pensei bem e continuei – mas...é um curso que combina com
você. Você se dará bem nele. Na verdade, acho que você se dará bem em qualquer
coisa que decidir seguir.
Nesse
momento, ela deu pequeno lindo sorriso, enquanto dizia “muito obrigada”. Seus
olhos brilhavam em minha direção, e eu sentia uma pequena felicidade dentro de
mim, fazendo com que minhas mãos não parassem de formigar e tremer. Então eu
sorria de novo e dizia:
- De nada.
Depois
disso, ficou um grande silêncio. Apenas os sons de nossos passos eram ouvidos.
Eu também sentia uma pequena e gelada brisa em meu rosto. Então eu fechava os
olhos, respirava fundo e dessa forma sentia que estava completamente em paz.
- Está
escurecendo. – disse ela, olhando para o céu.
- Verdade,
vamos andar mais rápido.
Na escola,
quando chegava na hora do recreio era mais ou menos assim: eu e Thayse
ficávamos terminando os exercícios de aula, então ela dizia “espera que a gente
já vai!” para os outros. Porém nem dava tempo deles terem ouvido. Quando nós
olhávamos para trás, eles já haviam saído para lanchar. Era triste o quão
separado nosso grupo ficou desde a saída de Lívia. Depois de nos sentirmos
decepcionados por dentro, nós nos entreolhávamos, forçávamos um sorriso e
dizíamos:
- Quer
comer aqui mesmo?
- Pode ser.
E assim o
tempo passou.
Eu e Thayse
acabamos indo para colégios diferentes. Nós dois precisávamos nos focar nos
estudos. Ela foi para um colégio excelente para preparar-se para o vestibular
de medicina, enquanto eu fui para um que valorizava a área de exatas.
Não sei o
que aconteceu ao resto da turma.
Com o
tempo, fui perdendo contato com todos. A última coisa que me lembro de
conversar com algum deles é com Thayse.
“Passei em engenharia civil!”
A mensagem, simples e cheia de
saudades, demorou para ser respondida.
A faculdade que irei entrar fica
em uma cidade meio longe de onde morava, por isso aluguei um pequeno
apartamento. Meus pais vão cuidar de todos os preparativos e despesas. Na verdade
eu demorei um pouco para cair na real e perceber que iria morar com completos
estranhos e ainda sozinho.
A demorada resposta chegara.
“Parabéns”.
Era uma mensagem tão curta, tão
misteriosa, tão indiferente...
Eu me enchia de perguntas. “O que
você está fazendo? Passou em medicina?”. “E Samuel? Estará compondo músicas
ainda?”. “Sofia, você ainda desenha?”. “Damian, seu folgado, o que está fazendo
agora da vida?”.
Então eu me lembrava de uma
pessoa muito importante para nós que foi embora. “Lívia, onde você está
agora?”.
Eu me lembrava daquela época que
brincávamos juntos na rua. Lembrava de todos. Deitado, com o braço em cima de
meus olhos, pensava: “onde está todo mundo?!!”.
Arrumando minhas malas para a
mudança, eu vi aquilo pendurado na minha mochila. “Por que ainda tenho
aquilo?”. “Talvez para não esquecer aquela parte importantíssima da minha
infância”.
- Tchau, mãe, pai. – e dava um
beijo e abraço nos dois.
- Tchau filho! Não se esqueça de
tomar os remédios, viu? Quer que eu te ligue para lembrar?
Na verdade, nesse momento eu
estou com gripe.
- Calma, mãe. Eu lembro sozinho.
Não precisa se preocupar! – e dou mais um abraço em minha mãe exageradamente
preocupada.
- Se precisar de alguma coisa, é
só ligar, viu?! – dizia, enquanto entrava no táxi.
- Pode deixar!
Começo a levar as caixas. Então,
eu olho aquela coisa de novo.
Ás vezes eu reflito comigo mesmo.
“Hey, pessoal.” “Sabiam que eu ainda guardo aquele chaveirinho brega daquela
flor?”.