“O meu nome é Severino. Mas isso ainda diz pouco. Somos
muitos severinos iguais em tudo na vida. Morremos de morte igual, mesma morte severina.”
Você,
leitor, talvez já conheça uma de minhas histórias. Depois de me retirar para a
Zona da Mata, fui capaz de juntar algumas economias. Foi então que resolvi
fazer uma viagem para rever alguns conhecidos que você, provavelmente, possa
também conhecer.
Minha
primeira visita já começa com uma terrível notícia: meu companheiro, Brás
Cubas, morreu. Felizmente, consegui chegar a tempo de participar de seu
funeral. Eram onze pessoas e havia uma fina chuva caindo sobre nós. Aquele que
proferiu um discurso recebera vinte apólices do finado, segundo rumores. Realmente,
foi um homem que nunca precisou trabalhar. Foi uma visita rápida, pois eu tinha
impressão de que ele nos observava do além.
Continuando
minha viagem, logo veio a minha cabeça fazer uma visita a alguns conhecidos lá
de outras terras, o que necessitaria fazer uma travessia naquela grande extensão
de água. Durante esse tempo, reconheci outro velho amigo que também tinha o
mesmo destino.
Era Martim,
junto de seu filho Moacir. Perguntei então sobre sua mulher, que conheci
durante uma de minhas viagens no litoral nordestino. Tinha longos cabelos
negros, um corpo forte e uma beleza comparável à natureza. Foi então que soube
sobre sua morte.
Afinal,
todos morremos de morte igual, mesma morte severina. Cheguei, finalmente, ao
meu destino.
Primeiramente,
fui visitar Dona Francisca e sua neta, Joaninha. Mas esta também não escapou
das terríveis garras da morte. Soube que seu amado a abandonara, fazendo-a
morrer por amor. O que, aliás, deixou a avó completamente sem rumo e vivendo
uma vida sem sentido.
A morte e a
tristeza estão em todo o lugar. Ao visitar um velho amigo médico meu, soube que
este também morrera depois de descobrir as traições que sua esposa fazia. Esta,
que morrera envenenada e cheia de dívidas, deixando sua única filha sozinha. Uma
grande pena. Charles era um bom homem.
Fiz a
travessia de volta à minha terra. Aquela terra que “tem palmeiras onde canta o
sabiá”. Pensei muito sobre toda a viagem e percebi afinal que somos todos
severinos. Morremos de morte igual, mesma morte severina.
Refletindo
um pouco à beira da praia, tive a vontade de me atirar no mar e acabar logo com
tudo. Nesse exato momento, um garoto veio ao meu encontro e eu afinal o
reconheci. Comecei então a conversar com ele.
- E como
vai a sua vida, companheiro? Vem acompanhando muitas mortes recentemente?
- Não há o
que fazer, amigo. Pessoas vêm a vão... há algum tempo mesmo presenciei a
partida de minha amada e de meu amigo.
- Estava
pensando, Pedro Bala. Será que faria diferença se eu me atirasse agora mesmo
naquela imensidão de água a nossa frente? Já que é a morte que nos espera no
fim de tudo... não seria melhor, em vez de continuar, acabar com tudo de uma
vez?
Ele ficou
surpreso, parou e então me levou ao trapiche, onde muitas crianças de rua
viviam.
Perguntei
sobre Gato, Volta-Seca, Pirulito e Sem-Pernas, companheiros que havia conhecido
na última visita.
- Cada um
seguiu seu rumo. Gato, por exemplo, foi com sua amante para Ilhéus. Soube que
virou gigolô. Volta-Seca foi viver com seu padrinho, Lampião, junto com os
cangaceiros. Pirulito virou frade. E, finalmente, Sem-Pernas. Este é um dos
partiram dessa vida... – Depois de um silêncio, Bala continuou – Bom,
continuando nossa conversa. Veja, Severino. Não sei bem a resposta para sua
pergunta, mas, observe. – E mostrou todas as crianças do trapiche, brincando
felizes. - Todas passaram por dificuldades na vida, mas algo aconteceu que as
reuniu neste lugar, onde são livres e agora valorizam cada segundo de vida. E
isso vale para todos. Mesmo aqueles que seguiram seu rumo, ou aqueles que
decidiram ficar. Não é incrível? Mais crianças vão chegando e partindo, fazendo
com que esse ciclo de vida continue!
E foi assim
que eu percebi que a vida responde por si mesma. Essas viagens me
proporcionaram muitas descobertas, às quais eu tive o prazer de mostrar a você,
caro leitor. Eis a síntese dessas memórias: “Afinal, não há maior espetáculo
que não seja a vida: vê-la brotar e crescer, resultando em uma explosão. E ela
tem sua importância, mesmo que esta explosão seja a de uma pequena vida severina”.
Incrível história!!! Escritora fantástica :D
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