terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Memórias e Viagens de Morte e Vida Severina

           “O meu nome é Severino. Mas isso ainda diz pouco. Somos muitos severinos iguais em tudo na vida. Morremos de morte igual, mesma morte severina.”
            Você, leitor, talvez já conheça uma de minhas histórias. Depois de me retirar para a Zona da Mata, fui capaz de juntar algumas economias. Foi então que resolvi fazer uma viagem para rever alguns conhecidos que você, provavelmente, possa também conhecer.
            Minha primeira visita já começa com uma terrível notícia: meu companheiro, Brás Cubas, morreu. Felizmente, consegui chegar a tempo de participar de seu funeral. Eram onze pessoas e havia uma fina chuva caindo sobre nós. Aquele que proferiu um discurso recebera vinte apólices do finado, segundo rumores. Realmente, foi um homem que nunca precisou trabalhar. Foi uma visita rápida, pois eu tinha impressão de que ele nos observava do além.
            Continuando minha viagem, logo veio a minha cabeça fazer uma visita a alguns conhecidos lá de outras terras, o que necessitaria fazer uma travessia naquela grande extensão de água. Durante esse tempo, reconheci outro velho amigo que também tinha o mesmo destino.
            Era Martim, junto de seu filho Moacir. Perguntei então sobre sua mulher, que conheci durante uma de minhas viagens no litoral nordestino. Tinha longos cabelos negros, um corpo forte e uma beleza comparável à natureza. Foi então que soube sobre sua morte.
            Afinal, todos morremos de morte igual, mesma morte severina. Cheguei, finalmente, ao meu destino.
            Primeiramente, fui visitar Dona Francisca e sua neta, Joaninha. Mas esta também não escapou das terríveis garras da morte. Soube que seu amado a abandonara, fazendo-a morrer por amor. O que, aliás, deixou a avó completamente sem rumo e vivendo uma vida sem sentido.
            A morte e a tristeza estão em todo o lugar. Ao visitar um velho amigo médico meu, soube que este também morrera depois de descobrir as traições que sua esposa fazia. Esta, que morrera envenenada e cheia de dívidas, deixando sua única filha sozinha. Uma grande pena. Charles era um bom homem.
            Fiz a travessia de volta à minha terra. Aquela terra que “tem palmeiras onde canta o sabiá”. Pensei muito sobre toda a viagem e percebi afinal que somos todos severinos. Morremos de morte igual, mesma morte severina.
            Refletindo um pouco à beira da praia, tive a vontade de me atirar no mar e acabar logo com tudo. Nesse exato momento, um garoto veio ao meu encontro e eu afinal o reconheci. Comecei então a conversar com ele.
            - E como vai a sua vida, companheiro? Vem acompanhando muitas mortes recentemente?
            - Não há o que fazer, amigo. Pessoas vêm a vão... há algum tempo mesmo presenciei a partida de minha amada e de meu amigo.
            - Estava pensando, Pedro Bala. Será que faria diferença se eu me atirasse agora mesmo naquela imensidão de água a nossa frente? Já que é a morte que nos espera no fim de tudo... não seria melhor, em vez de continuar, acabar com tudo de uma vez?
            Ele ficou surpreso, parou e então me levou ao trapiche, onde muitas crianças de rua viviam.
            Perguntei sobre Gato, Volta-Seca, Pirulito e Sem-Pernas, companheiros que havia conhecido na última visita.
            - Cada um seguiu seu rumo. Gato, por exemplo, foi com sua amante para Ilhéus. Soube que virou gigolô. Volta-Seca foi viver com seu padrinho, Lampião, junto com os cangaceiros. Pirulito virou frade. E, finalmente, Sem-Pernas. Este é um dos partiram dessa vida... – Depois de um silêncio, Bala continuou – Bom, continuando nossa conversa. Veja, Severino. Não sei bem a resposta para sua pergunta, mas, observe. – E mostrou todas as crianças do trapiche, brincando felizes. - Todas passaram por dificuldades na vida, mas algo aconteceu que as reuniu neste lugar, onde são livres e agora valorizam cada segundo de vida. E isso vale para todos. Mesmo aqueles que seguiram seu rumo, ou aqueles que decidiram ficar. Não é incrível? Mais crianças vão chegando e partindo, fazendo com que esse ciclo de vida continue!
            E foi assim que eu percebi que a vida responde por si mesma. Essas viagens me proporcionaram muitas descobertas, às quais eu tive o prazer de mostrar a você, caro leitor. Eis a síntese dessas memórias: “Afinal, não há maior espetáculo que não seja a vida: vê-la brotar e crescer, resultando em uma explosão. E ela tem sua importância, mesmo que esta explosão seja a de uma pequena vida severina”.

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